Tema Central: Ações coletivas globais e mundos da vida locais em diálogo

A crise multidimensional, de ampla envergadura sanitária, humanitária, política e econômica trazida pela pandemia resultante da contaminação pelo Sars-COV2 (Coronavírus), cria um contexto de insegurança e perplexidade sobre o sentido da vida, da relação das pessoas com a morte, da importância do luto e dos ritos culturais de experimentação destes, expondo uma crise de valores sem precedentes. Desde os primeiros contágios pelo Coronavírus, em todo o planeta, assistimos, de forma recorrente, em todos os espaços midiáticos, que os “sujeitos” dessa história aparecem diluídos em tabelas numéricas e associações estatísticas de morte e sobrevivência. A vida vem adquirindo um caráter mais complexo do que simplesmente resolver o problema do acesso a um tratamento específico e das escolhas médicas para quem deverá ter prioridade para sobreviver ou morrer. A relação entre fé e ciência retorna à discussão, e a mídia mundial mostra, de forma teatral, a corrida em busca de uma “verdade universal” e de validação para o conhecimento científico. A ênfase dada à luta pela vida e a busca de uma vacina para o combate ao vírus empurram os países a um frenesi de atividades científicas, na formação de bancos de dados, na grande maioria das vezes, sem diálogos com os contextos sociais nos quais estes foram gerados. A extrema urgência da luta pela vida e os múltiplos contextos de sofrimento social estão levando a um certo esvaziamento das esferas reflexivas e da capacidade de reconfiguração metafórica sobre o destino dos seres humanos. Assiste-se a uma necessidade impreterível de ações coletivas globais, debates sobre estados transnacionais e contextos locais de experiência, na perspectiva da concertação em torno de políticas, notadamente públicas, e suas estratégias de implementação voltadas à diminuição dos efeitos desta pandemia sobre a vida humana, a estrutura econômica e o já sentido esgarçamento social.

Complexos e desafiadores, estes tempos revelam uma crise maior de racionalidade que se instrumentalizou e massificou a existência humana, fazendo surgir uma crise que tem gerado “irracionalidades” e afetado lesivamente comportamentos pessoais e coletivos em sua globalidade (HABERMAS, 2012). Diz respeito aos modos como as relações foram perturbadas em seus sentidos e significados pelas lógicas predatórias do capitalismo avançado. A degeneração da existência humana no planeta, em seus diversos âmbitos e contextos socioculturais, pluriétnicos, sociocognitivos e político-econômicos, revela racionalidades saturadas e despidas de sentido simbólico mais profundo. Urge refletir sobre outras formas que incluam: sensibilidade, solidariedade, justiça, reconhecimento, dignidade, integridade, eticidade, esteticidade, linguagem e comunicabilidade. Ou seja, racionalidades amplas que possam avançar além dos contornos cognitivo-instrumentais (mundo objetivo das coisas), prático-morais (mundo social das normas) e estético-expressivos (mundo subjetivo).

O panorama mundial justifica este evento, como espaço dialógico para revisitar criticamente a teoria da Sociedade de Habermas e possíveis saídas para o enfrentamento da crise. Nessa perspectiva, torna-se urgente coordenar consensos e implementar planos de ação coletivos, locais e globais voltados à construção de respostas aos problemas enfrentados em todos os países.

As determinações socioeconômicas, políticas, culturais, ambientais e jurídicas empurram os mundos da vida locais para a busca de soluções compartilhadas.

O tema da equidade social não pode mais ser pensado a partir de suposições ingênuas, de dados ausentes e, sobretudo, abordando questões, de longa data, relacionadas à desigualdade estrutural, à pobreza e à exclusão. Como consequência da amplitude e da magnitude da atual crise sanitária global, urgentes se tornam a construção de conexões e a busca por soluções, para que as ações coletivas globais e os mundos da vida locais tomem força e importância. O mundo da vida é o lugar legítimo para a validação dos saberes científicos, morais e estéticos. Exige uma racionalidade capaz de acolher as diferenças, socializar os saberes de forma construtiva e crítica, dialogar de forma ampla e complexa com a natureza e com a biodiversidade, reconhecendo as bionarrativas e expurgando as patologias da comunicação, como as fake news. As crises de racionalidade provocadas pela pandemia abrem caminhos para novas aprendizagens sociais, socioculturais, político-semânticas e sociocognitivas.

A busca por novos horizontes e novas partilhas cognitivas desvela que não existe o exercício empírico do agir comunicativo em vácuo político. Os espaços de trocas e de decisões compartilhadas não são espaços livres onde indivíduos, isoladamente ou em grupos, dizem e fazem o que querem para si. São necessários programas, contextos, objetivos de transformação, responsabilidades, direcionamentos, determinação e disciplina a partir de pontos de partida concretos e de horizontes de chegada bem delineados.

O cenário mundial de crise motivou a Rede Interdisciplinar de Estudos sobre Violências – RIEV a acionar seus colaboradores para realização do I Simpósio Internacional Jürgen Habermas. Ao buscar desenvolver um processo de integrar campos investigativos de temas interdisciplinares da teoria habermasiana, coloca em diálogo pesquisadores e pesquisadoras da Argentina, Brasil, Cabo Verde Espanha e Uruguai, na busca de construir coletivamente proposições sobre novas formas de explorar, de pensar e aprender, novas formas de pesquisa, possibilidades alternativas de compartilhamento de conhecimentos e suas consequências positivas para os processos de formação humana.

Blog no WordPress.com.

Acima ↑